sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Cuidados Paliativos

A minha experiência como voluntária em Cuidados Paliativos, à cabeceira de doentes crónicos e terminais, prova que é possível viver com qualidade e dignidade até ao fim. Falo de uma realidade que conheço cada dia melhor e revela uma prática científica muita completa e extraordináriamente humana. Comove ver a maneira como os profissionais de saúde especializados em Cuidados Paliativos cuidam dos doentes e lidam com as doenças. É importante, aliás, sublinhar a distinção entre a doença e a pessoa doente porque infelizmente ainda há muitos médicos e enfermeiros que insistem em ignorar os doentes e investem apenas no tratamento das doenças. Falo de todos aqueles para quem um doente é um número ou uma cama, falo dos que evitam o olhar interrogativo ou suplicante dos que sofrem por não quererem ou saberem dar resposta e falo dos que passam ao lado dos doentes acamados ou terminais porque acham que já não há nada a fazer. Falo de um sistema perverso que permite que os mais frágeis e vulneráveis sejam sujeitos a tratamentos desumanos. No sentido clínico, mas também no sentido do acompanhamento pessoal.
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Agora que percorro regularmente os corredores hospitalares, percebo com mais alcance a diferença abissal que existe entre hospitais com ou sem unidades de cuidados paliativos. Nuns, as pessoas são tratadas de forma humana e a abordagem clínica, embora complexa, é sempre feita com base numa aliança terapêutica celebrada com o doente e a sua família; noutros, os doentes são classificados como "casos perdidos" e são muitas vezes abandonados ou esquecidos. Um dia até posso escrever um tratado sobre as pessoas que diariamente são negligenciadas nos serviços de saúde só porque são velhas ou estão à beira da morte. Conheço casos tremendos de abandono e ouço testemunhos inconcebíveis, alguns deles que envolveram crianças e jovens em fase terminal. Horroriza-me o abandono dos doentes e apavora-me esta classe médica que se recusa a aceitar a inevitabilidade da morte ou que a encara como um fracasso seu. E foi por me repugnar esta atitude que fiz o curso de voluntária em Cuidados Paliativos, e é por conhecer cada vez melhor esta outra classe de profissionais de saúde, que aposta na vida bem vivida até ao fim que não posso deixar de dar os parabéns a todos e a cada um dos profissionais especializados e, em particular, à Isabel Galriça Neto, que acaba de ganhar um prémio justamente por ser quem mais tem lutado pela causa dos Cuidados Paliativos no nosso país. (Laurinda Alves - Público)

1 comentário:

Ni disse...

uma realidade. cruel mas incontornável. ha que lutar para a contornar, não só com uma maior informaçao e divulgaçao dos cuidados paliativos, mas também pela sensibilização dos profissionais e muitas vezes das familias.