segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Programa de rastreio do cancro do cólon e recto vai arrancar

Região Centro é a primeira a avançar com programa-piloto. Sobrevivência dos doentes aos tumores malignos em geral é cada vez maior
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Bárbara Simões
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O rastreio sistemático do cancro mais frequente em Portugal, cujo arranque estava previsto para 2008, vai começar pelo Centro do país. "Neste momento, estão criadas todas as condições para que a Região Centro inicie o seu programa-piloto de rastreio do cancro colo-rectal", avança o coordenador nacional para as doenças oncológicas, Joaquim Gouveia. Homens e mulheres entre os 50 e os 70 anos constituem a população-alvo.
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A Administração Regional do Centro precisa que o rastreio, através da pesquisa de sangue oculto nas fezes, irá arrancar ainda durante este primeiro trimestre do ano. Este é, "quer em Portugal quer na Europa, o carcinoma com maior incidência", lembra Margarida Damasceno, directora do serviço de Oncologia do Hospital de S.João (Porto) e membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Oncologia. Atinge homens e mulheres (é no conjunto que é o mais frequente) e estima-se que o número de novos casos dignosticados, por ano, na população portuguesa ronde os seis mil. Apesar disso, nota a médica, "as pessoas não estão mentalizadas" para fazer um rastreio que é recomendado a partir dos 50 anos.
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A detecção precoce do cancro e o acesso a tratamentos cada vez mais eficazes são indissociáveis do aumento da sobrevivência dos doentes aos tumores malignos em geral - o que já permite encarar o cancro, em muitos casos, como uma doença crónica controlável e não uma sentença de morte a curto prazo. "É uma grande verdade e é uma realidade recente", confirma Margarida Damasceno.
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A sobrevivência à doença tem aumentado "e é expectável que continue" a ser cada vez maior. "Aquilo que se pode dizer é que, em Portugal, como no resto da Europa, a probabilidade de vir a ter um cancro, ao longo da vida, é de cerca de 50 por cento. E a de vir a morrer desse cancro é de 25 por cento. "Por outras palavras, é previsível que, em média, em metade dos casos diagnosticadsos, os doentes, depois de tratados, sobrevivem à doença (os valores variam muito consoante o tipo de cancro).
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Doença "sossegadinha"
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É como sobrevivente e doente crónica que a enfermeira Liliana Braguez se olha. A palavra "cura" parece-lhe arriscada, apesar de já terem passado anos desde que soube que tinha cancro da mama e de hoje se encontrar perfeitamente bem. "As únicas alturas em que isso me vem à memória é quando, uma vez por ano, faço os exames de controlo e estou à espera dos resultados. Não é uma coisa consciente, mas toda a gente nota. É realmente uma doença crónica. Não podemos pensar nela todos os dias, mas temos de ter consciência de que a temos.
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Quase nove anos depois de se ter começado a sentir doente, é também quando agora, de seis em seis meses, faz os exames de rotina que Luís Precioso, de 38 anos, volta a sentir inquietação. "Evidentemente que fico sempre ansioso. Será que estou a criar resistência à medicação? O que vai acontecer? Só respiro de alívio quando a médica diz: "Está controlado". Há sempre uma incógnita. Tem leucemia mielóide crónica, passou por vários períodos de baixa, internamentos, reagiu mal a medicamentos. "Não foi nada fácil", nos últimos anos, a vida deste técnico de turismo de Braga. Houve muitos altos e baixos, mas agora está a correr melhor, conta.
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"Estou a trabalhar, faço uma vida absolutamente normal, não tenho restrições alimentares de espécie alguma. Se não fosse a medicação que estou a tomar, provavelmente já estaria numa situação aguda, complicadíssima, a necessitar talvez de um transplante de medula", diz. Toma um comprimido por dia (participou num ensaio clínico que testou a eficácia do medicamento). Sabe muito bem qual é a sua maior expectativa. "Que a doença continue sossegadinha".
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Uma palavra detestada
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As metas enunciadas para os programas de rastreio, a nível nacional, até final de 2007 não foram cumpridas na totalidade. Um dos objectivos era por exemplo ter, ateé essa data, pelo menos um centro de saúde por ARS com um programa organizado de rastreio do cancro do colo do útero.
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A Região Centro era a única a dispor desse rastreio sistemático. Em Dezembro passado, juntou-se-lhe o Alentejo, com um programa dirigido às mulheres entre os 30 e 65 anos, explica Joaquim Gouveia. Em Lisboa e Vale do Tejo, no Porto e no Algarve, o rastreio está em "preparação". As experiências para o cancro da mama são também para continuar a alargar em muitos distritos.
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A "boa notícia no meio disto tudo", e que Joaquim Gouveia apresenta "com muita satisfação", é que as cinco administrações regionais de Saúde do país "têm neste momento em funcionamento gabinetes específicos para tratar da vigilância destes programas de rastreio; agora temos a estrutura para podermos preparar e lançar os programas, e isso é fundamental".
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As estimativas mais recentes indicam que, em 2007, os tumores malignos terão vitimado, no mundo, sete milhões e 600 mil pessoas (o equivalente a cerca de 20 mil por dia). Em Portugal, os números esta semana divulgados à Lusa pela Direcção-Geral da Saúde dizem respeito a 2005, ano em que houve registo de 22.724 mortes por cancro (13.421 homens e 9.303 mulheres). Por ano, haverá perto de 35 mil niovos casos da doença.
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Hoje é Dia Mundial Contra o Cancro, essa palavra de que ninguém gosta, por boas notícias que surjam. Margarida Damasceno conta que há dias afixaram, na sala de espera do serviço hospitalar que dirige, um cartaz de divulgação da Linha Cancro. "E houve doentes que disseram: O quê? Detestamos aquela palavra ali. Tirem o cartaz. Isto na sala de espera de um Serviço de Oncologia..." (Público)

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